Almeida Júnior no rastilho da viola...

Escrever tem sido um valioso estímulo para pesquisar novos temas e vislumbrar desconhecidas paragens.

Regressemos, pois, ao século 19 para conhecer um pouquinho mais acerca de um dos maiores pintores e desenhistas brasileiros e perceber o quão viva ainda é a sua obra? Com vocês, José Ferraz de Almeida Júnior. Ou, simplesmente, Almeida Júnior!
Mil oitocentos e cinquenta. D. Pedro II estava quase por aprovar a "Lei de Terras" (segundo a qual a compra deveria ser o critério legal para a aquisição das mesmas) e o ministro Eusébio de Queirós continuava firme em sua insistência de findar o tráfico de africanos (a fim de preservar a imagem do país, é claro!). Naquele ano, os brasileiros descobririam também o "beisebol", "esporte de japoneses" (apesar de importado através dos norte-americanos), devido à influência japonesa exercida com a chegada dos imigrantes ao Paraná e São Paulo e, decerto, por praticarem regularmente o esporte. E, nesta conjuntura, dona Cândida do Amaral Souza dá luz ao "menino de Itu" [1;2], como vem a ser denominado.

Uma vez que a biografia do nosso "personagem" é extremamente curiosa e eu diria, inclusive, digna de adaptação para um romance bem escrito, me pego na afamada dúvida machadiana, segundo a qual "seria melhor iniciar tais memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, pelo nascimento ou pela morte?"... bem, diferindo-me do "defunto autor" - não o Machado [3], que é um "autor defunto"-, fico com a menos trágica: o berço.

Possivelmente influenciado pelo pai, pintor amador a quem referia-lhe como "Tonico" [referência], desde menino José mostrava habilidade para as artes. À vista disto, aos 19 anos, consegue reunir condições para embarcar ao Rio de Janeiro a fim de concluir os estudos na Academia Imperial de Belas Artes, tornando-se aluno de célebres artistas, como Le Chevrel, Victor Meirelles e Pedro Américo.

Típico "caipira", de jeito simples e linguajar matuto, não se deixa, contudo, intimidar pelas pompas da, então, Capital do Império. Conclui o curso e retorna à cidade natal, decidido trabalhar como retratista e professor de desenho. No entanto (veja você!), durante uma visita à pequena cidade, o imperador, impressionado com o seu talento, faz-lhe uma impagável proposta: "seria de seu desejo aperfeiçoar-se na Europa?".

Assim, os (seis) anos na capital parisiense, foram absolutamente decisivos para a formação identitária (legada, em parte, do realismo de Courbet e Millet) naturalista do artista e é também através deste contato que Almeida Júnior começa a elaborar o conceito da sua obra: o deleite por figuras simples, anônimas, regionais.

Já aclamado, retorna ao Brasil, recebendo diversos títulos, honras e uma animosa recepção dos entusiastas, dentre as quais, a do crítico de arte Duque Estrada: é o mais pessoal e, sem dúvida, um dos que melhor sabem expressar, com toda clareza e nitidez de um estilo à Breton, os assuntos tomados de improviso a uma página da Bíblia, da História, ou simplesmente da vida de todos os dias e de todos os homens.

Aos 49 anos, todavia, tal respeito e estima são interrompidos por um trágico assassinato. Almeida é apunhalado em via pública pelo seu primo, ao constatar um adultério que perdurava por muito tempo entre ele e a sua esposa, Maria Laura do Amaral Gurgel.

A comemoração do "Dia do Artista Plástico", em 8 de maio, é uma breve homenagem, por ser a data do nascimento de um artista que teve a atitude de "pintar o Brasil" de um jeito diferente, sem ufanismo ou romantismo exacerbado, fundamentos dos academicistas daquele tempo.

E... nada melhor do que a própria obra "falar" de si.

"O Violeiro" - Pinacoteca do Estado de São Paulo (SP) - 1899 - Óleo sobre tela - 1,41 m x 1,72 m
O que enxergo? O cuidadoso retrato dos interioranos (paulistas, nortistas, nordestinos, sulistas... não importa, pois a arte é universal!). O ser humano pobre, de vida pacata e (quiçá) sofrida. Capaz, entretanto, de entonar uma canção através do rastilho da viola (quais serão os acordes...? a reverberação do conjunto...? como será o timbre da dupla?). Será que são casados, irmãos, cunhados, vizinhos...?

Noto que, apesar de humildes, parecem asseados (sinto um aroma suave de alfazema exalando das simples vestimentas). Nostálgicos, no entanto, satisfeitos naquele momento de contemplação, de fuga, de lembranças e... deslembranças.

Acredito que Almeida Júnior tenha sido um caipira verdadeiramente apaixonado pelo fato de ser um. Apaixonado pela sua origem, pelo seu povo, pelos tons mais claros e límpidos da paleta. Acredito que não teria conseguido satirizar ou tonar pitoresco o seu próprio berço.

Considero esta tela arauto de um certo "realismo romântico".

É equilibrada.

De uma composição  melancólica e, da mesma forma, suave.

Dá vontade de ouvir uma boa catira em "cebolão" (afinação apelidada assim por fazer as damas - e por que não os cavalheiros? - chorarem)...


Notas:

[1] https://www.facebook.com/pages/Document%C3%A1rio-Almeida-JUNIORo-menino-de-Itu/415012211886097
[2] https://fbcdn-sphotos-a-a.akamaihd.net/hphotos-ak-prn1/t1.0-9/67248_485866758133975_1473601813_n.jpg
[3] Achei interessante fazer esta pequena alusão à Machado de Assis, uma vez que ele (1839 - 1904) e Almeida (1850 - 1899) foram contemporâneos.

Referências
>> http://livroseafins.com/biografia-de-almeida-junior/